Serginho Palmquist: Pouco te vi, sempre te amei

Confesso que vivi anos atrás, por alguns dias, a tola experiência de encher o saco da Helena Palmquist, que acabara de entrar no Liberal:
- Quando a filha de um amigo trabalha na mesma redação que a gente, é sinal que envelhecemos bem.
Eu não disse isso uma nem duas vezes. Repeti um monte, a cada momento que nos encontrávamos. Até que ela se cansou daquilo e me deu um ralho:
- Chega, né, Silber? Todo mundo já sabe que tu conheces o papai.
Depois dessa enquadrada bacana, além de me comportar, deixei de vê-la apenas como a filha do Serginho. Ele é que virou o pai da Helena. Com muito orgulho, com certeza.
Aconteceu comigo uma coisa parecida. Em algum momento, minha filha deixou de ser a filha do Silber; eu é que me tornei o pai da Camila. Com muito orgulho, com certeza.
Trago a Helena pra esse texto em homenagem ao Serginho - que partiu antes do combinado, como dizia o Boldrin – porque convivi mais com ela do que com ele.
Nessa convivência, notei semelhanças eloquentes entre pai e filha, além de naturais diferenças, que enchem de razão o Luís Fernando Veríssimo:
“A verdade é que a gente não faz filhos. Só faz o layout. Eles mesmos fazem a arte-final”.
Um momento legal foi quando o Diário do Pará me quis. “Se eu for”, botei o abricó na mesa, “quero levar o Edir Gaya, o João Vital e a Helena Palmquist”. O Jader Filho topou, com a ajuda do Guilherme Barra e do Gerson Nogueira, e nós fizemos um barulho bom por lá. A Helena saiu logo, puxada pelo Ministério Público.
Foi nessa época que vi Serginho pela última vez, em um jantar no Pomme D’Or da Generalíssimo. Tive vontade de aprontar, era maior que eu. Subi no mezanino, me escondi atrás do guardacorpo e comecei a jogar azeitonas nos convidados. Sim, eu era um pândego, como definiu a Aracélia Hiraoka.
Depois voltava pra perto do Serginho, fingia que nada estava acontecendo, tomava uma cerveja e ríamos observando o alvo embaraçado, procurando o “sniper”.
Como bom amigo, Serginho aconselhou:
- Para, Silber! Ainda vão te ver e vai dar merda...
Como bom amigo, Serginho consentiu:
- Faz o seguinte. Vai lá a última vez, mas tem que ser O Tiro!
Bem mandado, subi e mirei. Acertei uma “azeitonada” na cabeça do Coutinho Jorge. Ainda vi lá de cima o Serginho se espoucar de rir. Depois desci e ele me deu um abração para rirmos disfarçadamente juntos. Passamos o resto da noite nos cumprimentando com um sorrisinho maroto.
Serginho Palmquist, o pai da Helena, foi um dos caras mais gentis e amorosos que conheci. Não sei se posso chamá-lo de amigo, mas com certeza foi minha referência no jornalismo, na qualidade do texto, no carisma sem esforço. Um fidalgo na melhor acepção da palavra. Um belo conversador, essa raça em extinção. Será pra sempre uma inspiração.
Queria ter estado perto dele não apenas nas farras, mas em alguns momentos de melancolia, minha ou dele. Talvez ele me ajudasse a compreendê-la; talvez eu o ajudasse a superá-la. Ou vice-versa. Ou coisa nenhuma. Seria o bastante estar perto dele, um cara cuja gentileza estava na espinha dorsal.
Dizem que o poeta Manoel de Barros, perto de morrer, avisou para os amigos que não estava indo em direção ao fim. “Estou indo em direção às origens. O que virá eu não sei”. Quem é que sabe? Agora, talvez, o Serginho.
Então, que nos mande notícias do lado de lá, porque uma parte dele ficou aqui pra sempre, perto dos amigos, da filha e até dos amigos da filha. E que essa inspiração nos ensine a fazer da felicidade um dever de casa, como ele fazia, com certeza ele fazia.
O Valter Hugo Mãe falou uma vez: “A morte é um exagero. Leva demasiado. Deixa muito pouco”. Mas, no caso do Serginho Palmquist, ouso dizer que esse pouco é imenso. É grandioso. Até pra mim, que poucas vezes o vi, mas sempre o admirei, antes de eu mesmo envelhecer. Por sorte, tive a honra de trabalhar com a Helena.
E quando a filha de um amigo trabalha na mesma redação que a gente...