COP-30 e os desafios urbanos e ambientais de Belém para sediar conferência

10/04/2024 21:20
COP-30 e os desafios urbanos e ambientais de Belém para sediar conferência

Roberto Andrés é urbanista, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e estrategista de cidades da organização "Nossas".

Em janeiro deste ano, ele veio à Belém enviado pela revista piauí com vistas a realizar uma matéria sobre a realização da COP-30 na capital paraense, marcada para ocorrer em novembro de 2025.

Um dos maiores desafios da cidade, segundo o professor e ativista, a hospedagem dos visitantes, não é surpresa para ninguém.

Segundo ele, estima-se o público que virá para a conferência entre 40 e 70 mil pessoas, numa cidade que dispõe, atualmente, de 25 mil leitos em seus hotéis.

Especulação

"Há muita especulação sobre o que poderia ser feito, mas falta tempo", afirma. Escolas municipais que podem ser usadas como alojamentos; dragagem do porto ao custo estimado de 200 milhões de reais em recursos federais que possibilitaria o atracamento de transatlânticos a serem utilizados como hotéis, entre outras propostas e soluções, estão no radar.

Ocorre que, revela ele, pelo mesmo valor da dragagem, poderiam ser construídas três mil unidades habitacionais que serviriam, após o evento, como unidades de moradias com viés social, deixando no ar a pergunta sobre qual das opções é a melhor para a cidade e seus moradores.

Lacunas e críticas

Gargalos na infraestrutura local vêm sendo motivo de críticas de quem se opõe à realização da COP-30 em Belém, escreve ele.

Nesse sentido, o professor cita matérias no site Metrópoles, em janeiro, e na Folha de S. Paulo, no mês de março, sobre propostas de divisão da conferência entre as capitais paraense e fluminense (site) ou outra capital do sudeste (jornal).

Essas especulações culminaram na divulgação pelo Governo Federal de nota reafirmando a realização do evento em Belém.

Expectativa

A matéria destaca que a última COP realizada numa democracia foi em Glasgow, Escócia, em 2021, oportunidade em que houve manifestações "expressivas" nas ruas.

Dito isso, após três edições em regimes fechados, Egito (2022), Dubai (2023) e a deste ano marcada para o Azerbaijão, locais onde não são permitidas manifestações populares, teme-se que haja uma "explosão dessa energia recalcada, com gente na rua, protestos e mobilizações" na “COP da Floresta”.

Acordo de Paris 10 anos  

Ano da COP-30, 2025 marca os 10 anos da celebração do 'Acordo de Paris", onde foram redefinidas as metas de emissão de carbono. 

Em 2023 foi aferido que, pela primeira vez, o aumento da temperatura média anual ultrapassou 1,5ºC, número considerado limite para uma "crise climática controlada".

Segundo o professor da UFMG, "muitos veem a COP-30 como uma das últimas chances de reinvidicar - a tempo -, mudanças mais robustas nos compromissos dos países". Ele cita, diante do contexto, o fortalecimento da sociedade civil atuante na questão ambiental e climática no Brasil.

O que está em jogo?    

E registra como evidência disso, o movimento a favor da "COP das Baixadas", encampado no Gueto Hub, uma biblioteca compartilhada e espaço de articulação social com sede no Jurunas.

O que está em jogo, segundo ele, é saber se a sociedade civil e iniciativas como o Gueto Hub serão capazes de se organizar para obter vitórias concretas durante a conferência.

Eventos de grande visibilidade como a COP, afirma ele, "tendem a ser marcados pela presença de ativistas, jornalistas, políticos e formadores de opinião". Logo, acrescenta: "converter essa oportunidade em resultados não é simples".

Para tanto, "a capacidade de fazer da COP uma oportunidade para produzir mudanças concretas será tanto mais efetiva quanto menos numerosas e mais estratégicas forem as palavras de ordem veiculadas" por esses movimentos, destaca.

Problemas       

O texto de Roberto Andrés retrata problemas estruturais de Belém, com ênfase em indicadores históricos e/ou crônicos, como, por exemplo, dados revelados pelo Censo de 2010 do IBGE, que atestam a capital paraense como a que possui o maior percentual de pessoas em assentamentos precários, com mais de 52% de domicílios nessa condição.

A cidade é uma das piores no ranking do saneamento de 2023, ficando em 95º lugar entre as 100 avaliadas.

Apelidada de "Cidades das Mangueiras", o que encantou Euclides da Cunha em 1904, como lembra o autor, Belém tem a segunda menor taxa de arborização urbana entre as capitais do país, "a despeito de sua localização entranhada na Floresta Amazônica", lamenta. 

Edmilson Rodrigues, o pior prefeito do Brasil

Andrés esteve com o prefeito de Belém, que exibia, segundo ele, um bom humor "contrastante com acontecimentos recentes", entre eles, pesquisa de opinião divulgada em dezembro de 2023 pela Atlas/Intel identificando a sua gestão como a mais mal avaliada das capitais brasileiras, com apenas 6% de aprovação.

Planalto cabreiro

O autor da matéria afirma que a péssima avaliação de Edmilson estaria deixando Lula preocupado com o risco de ter um prefeito opositor do seu governo como um dos anfitriões da COP-30, o que coincide, por óbvio, com o que este site vem afirmando desde sempre. 

A chegada de 300 ônibus refrigerados em maio deste ano numa cidade onde apenas 1% da frota possui ar condicionado e o projeto do Parque Igarapé São Joaquim, associados às obras do Parque da Cidade e Porto Futuro 2, do governo estadual, são as apostas da turma do alcaide na tentativa de reverter a maré desfavorável.

A COP do Helder

"Helder Barbalho é hoje a figura mais proeminente de um tipo conhecido no Brasil: o herdeiro político. A categoria representada no passado recente por figuras como Aécio Neves e Eduardo Campos tem suas recorrências”. Andrés prossegue: “A realização da COP em Belém é uma conquista do governador".

Após fazer um breve perfil do paraense, no qual cita os problemas enfrentados em 2020 pelo seu governo e o afastamento do então chefe da Casa Civil, Parsifal Pontes, ele afirma que os Barbalho estão no auge.

Ativo importante

A "primeira COP da Floresta", que virou mantra do governador, constitui-se em um ativo importante para quem busca se apresentar como protagonista da questão ambiental, diz.

Ele cita a proposta do governador em conceder terras públicas do Estado, conforme um modelo em que empresas privadas poderiam explorar economicamente mais de 4 milhões de hectares de florestas, sob a condição de manterem as áreas preservadas. 

Objetivos distintos

Para Andrés, a COP em Belém significa um "bote salva-vidas" à reeleição do prefeito moribundo. Já para Helder Barbalho, o evento seria um troféu e, ao governo Lula, representa uma importante vitrine internacional às pretensões de reconstruir o protagonismo brasileiro no jogo diplomático.

Legado

Publicamente, lembra Roberto Andrés, uma palavra une os atores envolvidos: legado. 

Ideia segundo a qual, um evento como a COP pode ser uma oportunidade única capaz de viabilizar investimentos e melhorias que não seriam possíveis de outra forma. Como se vê, para desgosto de uns e esperança de muitos, a COP-30 vai ser em Belém.

Agora é torcer para que atrasos, imprevistos, burocracia e torcida contra, entre outros maus sentimentos e comportamentos fora das "quatro linhas" não tornem esse bônus, troféu, ou gol de placa em ônus, vexame e desperdício. 

PS: A foto que ilustra a matéria é do repórter-fotográfico Raimundo Paccó, um dos grandes do Brasil no ofício, radicado no Pará há mais de duas décadas. 

Mais matérias Política