Com o objetivo de desarticular organizações criminosas
envolvidas em contrabando e lavagem de dinheiro que transportam mercadorias
proibidas do exterior, por meio de uma sofisticada rede logística via
Abaetetuba, a Polícia Federal (PF), em parceria com a Receita Federal,
deflagrou a Operação Maré Segura na semana passada nos estados do Pará e
Maranhão.
Foram realizadas quatro prisões e determinado o sequestro de mais de 50 milhões de reais em contas bancárias bloqueadas dos investigados. Também foram apreendidos carros, dinheiro, embarcações, documentos e aparelhos eletrônicos em quantidade ainda não contabilizada.
As investigações revelaram que as cargas de cigarros vinham de três principais regiões: Paraguai, EUA e Leste Europeu. Também foram encontrados produtos eletrônicos contrafeitos (piratas) de origem chinesa.
De acordo com as investigações, o esquema criminoso utilizava embarcações e sistemas de comunicação sofisticados para viabilizar as operações de contrabando, evitando o pagamento dos tributos devidos e comprometendo a arrecadação fiscal no Brasil.
Buraco mais embaixo
Em solo local, no caminho de todos os tipos de embarcações nas quais milhares navegam a trabalho ou passeio pela baía do Guajará, rio Guamá, afluentes e subafluentes do gigante Amazonas, naquilo que o poeta Ruy Barata definiu em composição do filho Paulo André como "esse rio é minha rua", rumo a (re) descoberta da ilha do Combu e cercanias, algum guia já comparou para turistas e visitantes em geral, a geografia local com a do Vietnã.
Sim, suas áreas de floresta e várzea, curvas sinuosas dos rios e furos se assemelham às características vietnamitas, o país do sudeste asiático dividido e armado de um lado (Norte) pela antiga URSS e do outro, na parte sul, pelos EUA, que o invadiu travando uma sangrenta guerra entre os anos de 1960 e 1970, e que se transformou num atoleiro de consequências devastadoras para o moral dos americanos no meio das duas décadas, se constituindo em uma das feridas mais dolorosas no país até hoje. Na verdade, para eles, uma "derrota" histórica.
Em Belém, a Polícia Federal desbaratou a operação contra quadrilha que comercializava cigarros contrabandeados na região da Bernardo Sayão, apreendendo a carga ilegal numa embarcação em um dos muitos "portos" existentes naquela beira de rio ao longo dos seus cerca de sete quilômetros de extensão.
Chamada no passado de “Estrada Nova", a avenida começa mais ou menos no Quartel do 4º Distrito Naval, após o canal da Tamandaré, e termina na esquina da avenida Augusto Corrêa, em frente ao portão de entrada do campus "Básico" da UFPA.
A Bernardo Sayão circunda a capital no encontro do rio Guamá com a Baía do Guajará. Desde a fundação de Belém, há mais de 400 anos, até a entrada dos EUA na 2ª Guerra Mundial em 1941, aquela foi uma região de mangue, alagada, infestada por mosquitos e suas consequências endêmicas, mas isso é outra história.
Geografia do atraso
Se passear pela ilha do Combu lembra a região vietnamita ou
algum faroeste, convém reconhecer que em grande parte da extensão da avenida, o
que se vê é o que há de mais arcaico, pobre, desatualizado,
desmantelado e em perfeita desordem. Exemplo acabado de ausência do estado e
terra de ninguém, do vale tudo e da aplicação da lei do mais forte.
Ainda pior é imaginar a Belém de uma década e meia atrás sem os dois verdadeiros oásis naquele deserto que são os vizinhos Mangal das Garças e Portal da Amazônia.
No mais, o que se encontra ali naquele verdadeiro faroeste "cabôco" que se segue, são prostíbulos, "portos ", comércios ilegais, caos no trafégo de autos, ocupação desordenada e insegurança jurídica e social.
Local onde faz-se necessário tomadas de decisão que mitiguem aquele absurdo já no final do primeiro quarto do século XXI. E, ao que parece, dado o passar dos anos, se vive diante do entorpecimento ou resignação geral da população em relação àquela situação caótica.
Ponta do iceberg
Após mais essa operação policial na cidade, cumpre refletir sobre o período
em que a região vira terra de ninguém, que vai do anoitecer ao amanhecer, noite
após noite, dia após dia, período em que tudo pode acontecer naquela vastidão
de escuridão.
Oportunidades nas quais os criminosos do continente se
encontram com os comparsas que vêm pelas águas em barcos clandestinos das
facções que operam de contrabando de cigarros a tráfico de drogas, mulheres,
crianças, órgãos, animais silvestres e sabe-se lá mais o quê.
Incontinente a gravidade do contrabando de cigarros, perto dessas outras práticas criminosas, a operação pode ter tocado na ponta de um iceberg prestes a derreter e se partir.
Do contrário, tudo permanecerá no mais do mesmo que atinge uma das áreas mais pobres da Grande Belém, que deveria ser, ao lado do seu centro histórico, prioridade zero de qualquer gestor sério e comprometido com o seu passado e, sobretudo, com o presente e o futuro da cidade quanto a revitalização, reconstrução, requalificação. Que se dê a intervenção, enfim, o nome que se queira, mas que se faça alguma coisa.
Plano Diretor
Não precisa ser especialista em plano diretor urbano,
urbanismo, paisagismo, mercado de imóveis ou trabalhar na construção civil para
aprender (sofrendo na pele) que Belém é uma cidade que padece de alguns males
aparentemente crônicos, quais sejam:
Mal cuidada
Mal administrada
Mal cheirosa
Mal acabada
Mal iluminada
Mal urbanizada
Mal limpa
Mal saneada
Entre outros males menos votados, tipo o prefeito atual, que pode e deve ser ejetado da cadeira em outubro próximo para o bem da cidade.
Dito isso, a antiga Metrópole da Amazônia transformada na "terra do já teve", padece da tibieza desses gestores associada a falta de coragem e tirocínio capazes de unir-se em torno de um verdadeiro SOS Belém, integrado por União, Estado e Município com apoio e reconhecimento da sociedade civil, no sentido de atacar os problemas daquela área.
Belém transformou-se numa cidade de costas para a sua orla, que cresce na direção do continente (Ananindeua) ou pela rodovia Augusto Montenegro no sentido da sua região insular, de Outeiro e a quimera de uma ponte a interligando por ali ao Mosqueiro
Enquanto isso, as obras de macrodrenagem da Bacia da Estrada Nova se arrastam há décadas em meio a financiamentos externos e internos nunca concluídos e nada de serem finalizadas.
As sub-bacias dos canais das travessas Dr. Moraes, Rui Barbosa, Quintino, Generalíssimo e 14 de Março são vitais para o fim dos alagamentos em áreas nobres da cidade em bairros como Batista Campos, Nazaré e nos bairros do Jurunas, Condor e Cremação.
Saneamento básico e iluminação pública atacam dois dos piores problemas de uma sociedade: as doenças sanitárias e a segurança pública.
Sanear a região, prover um marco regulatório em toda a orla do Portal da Amazônia à UFPA e da Arthur Bernardes à Pedro Álvares Cabral, é desenvolver a cidade, resgatar a autoestima dos seus moradores e valorizar o bem de cada um, pois é óbvio que o ciclo virtuoso aumenta preços das moradias e dos comércios.
Outro aspecto é incentivar a ocupação residencial próxima a orla, colocando a cidade de frente para o rio e a baía, fomentando a integração efetiva da sua região insular e a prática dos desportos aquáticos.
Vontade política
Da Arthur Bernardes à Perimetral há demandas e oportunidades para combater
a decadência, a pobreza e devolver a cidade para a sua população pagadora de
impostos e/ou que precise ser capacitada ou ter oportunidades profissionais.
Atualmente, parece que Belém passou a ser tratada como caso perdido. Sim, a COP-30 é um sopro de esperança, um sonho que pode virar realidade no fomento da vocação da cidade para o ecoturismo, além do religioso.
Exemplos de revitalização, requalificação, retrofit, leis de incentivo, seriedade e mudanças de paradigmas se encontram no Brasil, na América do Sul e em todos os continentes.
Case de sucesso
Pode ser um trabalho de décadas, mas o futuro de Belém como
metrópole sustentável da Amazônia e exemplo de reinvenção e superação para o
mundo que vier a descobri-la durante e após a COP-30, passa pela libertação do
Vietnã em que se transformou a região da operação da PF contra o contrabando de cigarros da última semana e
a revitalização do seu centro histórico.
Qualquer metrópole que se reinventou, de Barcelona a Recife, São Luís, Manaus ou Curitiba, valorizou a sua história e seus gestores tiveram visão de futuro.
E por falar nessas cidades, o velho mangue fétido e alagado encontrado pelos yankees que fizeram de Belém uma base militar e o transformaram em dique de contenção contra as águas e cheias dos anos 1940, se a capital sofresse uma calamidade como a de Porto Alegre hoje em dia, aquela região seria uma das mais afetadas, senão a pior de todas.
Mais um motivo para sonhar-se e trabalhar-se pelo desenvolvimento do local, primeiramente combatendo o crime organizado ali instalado.
Se Belém quer resgatar o seu passado de glórias, que eleja líderes comprometidos com a sua gente e o seu futuro, não com partidos ou grupos políticos.
A operação da PF tocou numa ferida aberta. Mas o trabalho requer um caminho longo e tortuoso, como nas histórias de vida, desafios e coragem presentes nas grandes jornadas.
Abre o olho, Belém. E que em outubro tu possas começar a mudar (resgatar) a tua história.
Este texto contou com informações sobre a Operação Maré Segura e imagens produzidas pela Comunicação Social da Polícia Federal no Pará.