O conservadorismo raiz e o "nutella"

João Pereira Coutinho e Luiz Felipe d'Avila são legítimos representantes da categoria de pensamento oposta ao lulismo, bem diferente das posturas de Moraes e Musk.

21/04/2024 12:00
O conservadorismo raiz e o

No Brasil vive-se, entre tantas crises de natureza social, econômica e institucional, a querela recente envolvendo duas das mais polêmicas figuras em âmbito nacional e mundial: o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e atual presidente do Superior Tribunal Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, e o atualmente terceiro homem mais rico do mundo, Elon Musk.

Em meio ao disse me disse e troca de acusações entre ambos, tidos e havidos como "conservadores" nos costumes e economia, cumpre fazer um breve registro do quão inapropriado pode ser a utilização das nomenclaturas para definir essas duas personas públicas, o sul-africano (também canadense e americano) e o paulista.

Scruton e Aron

Sir Roger Scruton (1944-2020) decerto mereça o posto de principal voz conservadora na academia do ocidente a partir do final da segunda metade do século XX.

Inglês de nascimento, o filósofo, pensador e polemista herdou o posto de principal voz do conservadorismo ocidental desde, provavelmente, a morte do não menos genial e erudito francês Raymond Aron (1905-1983), ainda mais influente desde o final da II Guerra Mundial, em 1945.

Acima de tudo um esteta, em sua vasta obra, o pensamento conservador de Scruton foi delineado por mais de meio século de produção intelectual em títulos como O que é Conservadorismo, Como ser um conservador e Conservadorismo: um convite a grande tradição, entre outros tão influentes e brilhantes quanto.

Já o francês Aron, o mais notável e original pensador conservador do século das guerras mundiais, fora aluno destacado da École Normale Supérieure, onde teve como colega aquele com o qual viria a esgrimir os mais famosos debates intelectuais do pós 2ª Guerra, Jean-Paul Sartre.

Cabendo a si o papel de defender os princípios da economia liberal e ao seu antípoda, o filo-marxista Sartre, o modelo soviético de estado e totalitarismo "comunista".

Aron é autor de vasta obra e, pelo menos, duas obras-primas: O Ópio dos Intelectuais, sobre o marxismo e o monumental Paz e Guerra entre as Nações, ambos livros merecedores de não uma, mas meticulosas resenhas individuais.

Coutinho e d'Avila

Em língua portuguesa, dois formuladores pós-graduados na ciência política, o paulista como Moraes, Luiz Felipe d'Avila, e o português João Pereira Coutinho, são, eles sim, herdeiros da melhor tradição humanística e conservadora defendidas pelo inglês Scruton e o francês Aron.

Dois livros e coerência testada

d'Avila é autor de diversos livros, com destaque para Os Virtuosos, título que faz um raio-x dos primeiros governos civis da República Velha, os dos paulistas Prudente de Morais, Campos Sales e Rodrigues Alves.

Autor de As ideias conservadoras explicadas a revolucionários e reacionários e coautor de Porque virei à direita, o português Coutinho, de sólida formação acadêmica tal qual d'Avila, conseguiu com o livro sobre conservadorismo ser objetivo, erudito sem ser pedante e afirmativo deixando a presunção de lado.

Já o candidato à presidência em 2022 pelo Partido Novo pode não ter tido uma votação significativa como a de João Amoêdo em 2018, mas segue coerente em suas ideias na defesa de um ideário liberal e conservador na economia, diferente dele, apoiador de Lula nas últimas eleições.

Aliás, tal e qual sempre assim o foi em âmbito público desde que fundara as revistas República e Bravo no final do século passado, após graduar-se em Harvard e pós-graduar-se em Paris.

Toda a sua obra merece respeito quanto a sua coerência entre discurso e prática. Feliz de um país cuja política passa a dispor de um ator como ele.

Que as adversidades não o afastem da seara onde passou a militar abraçando a disputa de cargos e posições de destaque nos cenários paulista e nacional.

Edmund Burke (1729-1797)

Objeto de estudo da tese de doutorado de João Pereira Coutinho, aquele que para muitos fora o "pai' do conservadorismo, o irlandês Edmund Burke tem infinitas qualidades, mas não a paternidade da ideologia. Ou seria costume?

Para Coutinho, ser conservador somente pode ser considerado uma ideologia se o vocábulo for colocado no plural: conservadorismos, "porque plurais foram as diferentes expressões da ideologia no tempo e no espaço", escreve.

Acrescente-se as matrizes distintas, o conservadorismo francês e o inglês, bem como que ambas as formulações precederam as idéias de Burke.

Outro axioma revelado no livro do português refere-se ao nascimento dessas formulações, todas com origem em resposta e contradita às propostas defendidas pelos vencedores da Revolução Francesa (1789).

"(...) Interessa apenas afirmar que a reação personificada no inrlandês Edmund Burke permitiu que o conservadorismo se autonomizasse como uma resposta antirrevolucionária e, no caso de Burke, antiutópica também", revela o autor.  

O corolário de Coutinho

Sobre o objetivo do livro e a quem insiste em confundir conservadorismo político com outros tipos de comportamentos pessoais, sociais, artísticos "e etc.", o português conclui respondendo que, ao "presente ensaio" resta deixar claro qual o verdadeiro interesse a um conservador em matéria de política; que é definir a limitada e específica vocação de um governo; aquilo que ele pode e deve fazer e, sobretudo, "aquilo que ele não pode nem deve fazer".

E conclui: "E o que um governo conservador não pode nem deve fazer é 'impor atividades substantivas' sobre terceiros, como se a vida alheia pertencesse a um dono sem rosto", citando o inglês Michael Oeakshott (1901-1990).

E é aí que entram os litigantes da hora, Elon Musk e Alexandre de Moraes.

Musk x Moraes 

Desde que foi indicado ao STF após a morte de Teori Zavascki, em 2017, o ministro Alexandre de Moraes poucas vezes se viu tão vulnerável do que depois das revelações do bilionário Elon Musk, o mesmo que ostentava o título de homem mais rico do mundo quando adquiriu por mais de 40 bilhões de dólares o Twitter, em 2022, rebatizado por si como X ano passado. 

Primeiramente, com o título de "Twitter Files Brasil" ou "Arquivos Twitter Brasil" em livre tradução, Musk acusou Alexandre de Moraes (e o Poder Judiciário) de "censura agressiva", após pedidos feitos pelo ministro que, segundo o bilionário, "violam a lei brasileira".

O dono da Tesla e da SpaceX fez a afirmação quando compartilhou publicações do jornalista norte-americano Michael Shellenberger sobre o tema, no sábado, 06 de abril, oportunidade em que ameaçou não cumprir decisões exaradas pelo não menos polêmico magistrado.

Semana passada foi divulgada a notícia de que Musk entregou ao Congresso dos EUA decisões sigilosas de Alexandre de Moraes mandando retirar postagens da rede social X sem razões objetivas. Censura pura e simples foi o que transpareceu.

Não é de hoje que Alexandre de Moraes extrapola suas competências. Em 2019, o ministro censurou a revista digital Crusoé e intimou seus editores a prestarem depoimentos em até 72 horas.

Tudo porque discordara da matéria "O amigo do amigo do meu pai", toda ela baseada em documentos e depoimento constantes nos autos da Lava Jato, ainda que o ministro tenha visto "claro abuso" em seu conteúdo.

Musk, por sua vez, que vive entre tapas e beijos também com Donald Trump e Vladimir Putin, foi capaz de bloquear o acesso da Ucrânia, em abril de 2023, a Starlink, outra de suas empresas, com vistas a impedir um ataque do país a navios da marinha russa.

Neste momento, o bilionário exaltado por Bolsonaro em discurso para uma multidão de adeptos que invadiram a avenida Atlântica neste domingo, 21, feriado de Tiradentes, após convocação do pastor Silas Malafaia em apoio ao ex-presidente, virou "best friend" do argentino Javier Milei.

Os Nutellas

Com efeito, chamado desde sempre de "conservador" em sua trajetória profissional e pública, promotor de justiça que fez carreira nos governos de Geraldo Alckmin e Michel Temer como secretário e ministro da Justiça antes de tornar-se um dos onze ministros do STF, Alexandre de Moraes, como tal, está longe de se portar como um conservador "raiz".

Donald Trump, o populista que tomou de assalto o Partido Republicano, uma agremiação historicamente associada ao conservadorismo na economia e nos costumes, é outro embuste quando o assunto é a ideologia defendida por Burke, Scruton, Coutinho ou d'Avila.

Jair Bolsonaro, então, nem se fala. Esse nada mais é do que um sindicalista do exército e nacionalista sectário, ex-eleitor de Lula, que votou contra o Plano Real e TODOS os marcos que tentaram modernizar a economia do país nos dois governos FHC.

Oportunista, ele bebeu na fonte da Operação Lava Jato, surfando na sua onda e transmutado para um discurso liberalizante na economia apenas como contraponto ao seu inimigo de ocasião, o PT.

E Musk está mais para um excêntrico e maluco beleza genial, cujos sonhos mais íntimos, apesar de toda a sua trajetória de glórias e inventos, ainda estão para ser desvendados.

Raiz

De todos esses, Javier Milei é o único que pode ser considerado um conservador em matéria econômica.

Aliás, o argentino acaba de ver medidas macroeconômicas do seu governo serem reconhecidas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), sobre o qual declarou uma porta-voz sua em 04 de abril último:

"O progresso alcançado pelo governo do presidente argentino Javier Milei é 'impressionante', mas o caminho para a estabilização não é fácil". 

Toma-te, Luiz Inácio Lula da Gastança e Silva.

 

Créditos:
Reprodução capa livro
Foto: Reprodução Coluna Sábado Portugal
Foto: Reprodução Coluna OESP
Alexandre de Moraes, Foto: Carlos Moura/SCO/STF
 
Siga o Podcast do Amazônico no YouTube
@podcastdoamazonico - Instagram
podcast do Amazônico - Facebook
 

Mais matérias Política