No Brasil vive-se, entre tantas crises de natureza social,
econômica e institucional, a querela recente envolvendo duas das mais polêmicas
figuras em âmbito nacional e mundial: o ministro do Supremo Tribunal Federal
(STF) e atual presidente do Superior Tribunal Eleitoral (TSE), Alexandre de
Moraes, e o atualmente terceiro homem mais rico do mundo, Elon Musk.
Em meio ao disse me disse e troca de acusações entre ambos,
tidos e havidos como "conservadores" nos costumes e economia, cumpre
fazer um breve registro do quão inapropriado pode ser a utilização das
nomenclaturas para definir essas duas personas públicas, o sul-africano (também
canadense e americano) e o paulista.
Scruton e Aron
Sir Roger Scruton (1944-2020) decerto mereça o posto de
principal voz conservadora na academia do ocidente a partir do final da segunda metade do século
XX.
Inglês de nascimento, o filósofo, pensador e polemista
herdou o posto de principal voz do conservadorismo ocidental desde, provavelmente, a morte do não menos genial e erudito francês
Raymond Aron (1905-1983), ainda mais influente desde o final da II Guerra Mundial, em 1945.
Acima de tudo um esteta, em sua vasta obra, o pensamento
conservador de Scruton foi delineado por mais de meio século de produção
intelectual em títulos como O que é Conservadorismo, Como ser um conservador e
Conservadorismo: um convite a grande tradição, entre outros tão
influentes e brilhantes quanto.
Já o francês Aron, o mais notável e original pensador
conservador do século das guerras mundiais, fora aluno
destacado da École Normale Supérieure, onde teve como colega aquele com o qual
viria a esgrimir os mais famosos debates intelectuais do pós 2ª Guerra, Jean-Paul
Sartre.
Cabendo a si o papel de defender os princípios da economia
liberal e ao seu antípoda, o filo-marxista Sartre, o modelo soviético de
estado e totalitarismo "comunista".
Aron é autor de vasta obra e, pelo menos, duas obras-primas:
O Ópio dos Intelectuais, sobre o marxismo e o monumental Paz e Guerra entre as
Nações, ambos livros merecedores de não uma, mas meticulosas resenhas
individuais.
Coutinho e d'Avila
Em língua portuguesa, dois formuladores pós-graduados
na ciência política, o paulista como Moraes, Luiz Felipe d'Avila, e o português
João Pereira Coutinho, são, eles sim, herdeiros da melhor tradição humanística e
conservadora defendidas pelo inglês Scruton e o francês Aron.
Dois livros e coerência testada
d'Avila é autor de diversos livros, com destaque para Os Virtuosos, título que faz um raio-x dos primeiros governos civis
da República Velha, os dos paulistas Prudente de Morais, Campos Sales e
Rodrigues Alves.
Autor de As ideias conservadoras explicadas a
revolucionários e reacionários e coautor de Porque virei à direita, o português Coutinho, de sólida formação acadêmica tal qual d'Avila, conseguiu com o livro sobre
conservadorismo ser objetivo, erudito sem ser pedante e afirmativo
deixando a presunção de lado.
Já o candidato à presidência em 2022 pelo Partido Novo pode
não ter tido uma votação significativa como a de João Amoêdo em 2018, mas segue
coerente em suas ideias na defesa de um ideário liberal e conservador na
economia, diferente dele, apoiador de Lula nas últimas eleições.
Aliás, tal e qual sempre assim o foi em âmbito público desde que
fundara as revistas República e Bravo no final do século passado, após
graduar-se em Harvard e pós-graduar-se em Paris.
Toda a sua obra merece respeito quanto a sua coerência entre
discurso e prática. Feliz de um país cuja política passa a dispor de um ator
como ele.
Que as adversidades não o afastem da seara onde passou a
militar abraçando a disputa de cargos e posições de destaque nos cenários paulista e nacional.
Edmund Burke (1729-1797)
Objeto de estudo da tese de doutorado de João Pereira
Coutinho, aquele que para muitos fora o "pai' do conservadorismo, o
irlandês Edmund Burke tem infinitas qualidades, mas não a paternidade da
ideologia. Ou seria costume?
Para Coutinho, ser conservador somente pode ser considerado
uma ideologia se o vocábulo for colocado no plural: conservadorismos,
"porque plurais foram as diferentes expressões da ideologia no tempo e no
espaço", escreve.
Acrescente-se as matrizes distintas, o conservadorismo
francês e o inglês, bem como que ambas as formulações precederam as idéias de
Burke.
Outro axioma revelado no livro do português refere-se ao
nascimento dessas formulações, todas com origem em resposta e contradita às
propostas defendidas pelos vencedores da Revolução Francesa (1789).
"(...) Interessa apenas afirmar que a reação
personificada no inrlandês Edmund Burke permitiu que o conservadorismo se
autonomizasse como uma resposta antirrevolucionária e, no caso de Burke,
antiutópica também", revela o autor.
O corolário de Coutinho
Sobre o objetivo do livro e a quem insiste em confundir
conservadorismo político com outros tipos de comportamentos pessoais, sociais,
artísticos "e etc.", o português conclui respondendo que, ao
"presente ensaio" resta deixar claro qual o verdadeiro interesse a um
conservador em matéria de política; que é definir a limitada e específica
vocação de um governo; aquilo que ele pode e deve fazer e, sobretudo,
"aquilo que ele não pode nem deve fazer".
E conclui: "E o que um governo conservador não pode nem
deve fazer é 'impor atividades substantivas' sobre terceiros, como se a vida
alheia pertencesse a um dono sem rosto", citando o inglês Michael
Oeakshott (1901-1990).
E é aí que entram os litigantes da hora, Elon Musk e
Alexandre de Moraes.
Musk x Moraes
Desde que foi indicado ao STF após a morte de Teori
Zavascki, em 2017, o ministro Alexandre de Moraes poucas vezes se viu tão
vulnerável do que depois das revelações do bilionário Elon Musk, o mesmo que
ostentava o título de homem mais rico do mundo quando adquiriu por mais de 40
bilhões de dólares o Twitter, em 2022, rebatizado por si como X ano passado.
Primeiramente, com o título de "Twitter Files Brasil" ou "Arquivos Twitter Brasil" em livre tradução, Musk acusou Alexandre de Moraes (e o Poder Judiciário) de "censura agressiva", após pedidos feitos pelo ministro que, segundo o bilionário, "violam a lei brasileira".
O dono da Tesla e da SpaceX fez a afirmação quando
compartilhou publicações do jornalista norte-americano Michael Shellenberger
sobre o tema, no sábado, 06 de abril, oportunidade em que ameaçou não cumprir
decisões exaradas pelo não menos polêmico magistrado.
Semana passada foi divulgada a notícia de que Musk entregou ao
Congresso dos EUA decisões sigilosas de Alexandre de Moraes mandando retirar
postagens da rede social X sem razões objetivas. Censura pura e simples foi o
que transpareceu.
Não é de hoje que Alexandre de Moraes extrapola suas
competências. Em 2019, o ministro censurou a revista digital Crusoé e intimou
seus editores a prestarem depoimentos em até 72 horas.
Tudo porque discordara da matéria "O amigo do amigo do
meu pai", toda ela baseada em documentos e depoimento
constantes nos autos da Lava Jato, ainda que o ministro tenha visto "claro
abuso" em seu conteúdo.
Musk, por sua vez, que vive entre tapas e beijos também com
Donald Trump e Vladimir Putin, foi capaz de bloquear o acesso da Ucrânia, em
abril de 2023, a Starlink, outra de suas empresas, com vistas a impedir um
ataque do país a navios da marinha russa.
Neste momento, o bilionário exaltado por Bolsonaro em
discurso para uma multidão de adeptos que invadiram a avenida Atlântica neste
domingo, 21, feriado de Tiradentes, após convocação do pastor Silas Malafaia em
apoio ao ex-presidente, virou "best friend" do argentino Javier
Milei.
Os Nutellas
Com efeito, chamado desde sempre de "conservador"
em sua trajetória profissional e pública, promotor de justiça que fez carreira nos governos de
Geraldo Alckmin e Michel Temer como secretário e ministro da Justiça antes de
tornar-se um dos onze ministros do STF, Alexandre de Moraes, como tal, está
longe de se portar como um conservador "raiz".
Donald Trump, o populista que tomou de assalto o Partido
Republicano, uma agremiação historicamente associada ao conservadorismo na
economia e nos costumes, é outro embuste quando o assunto é a ideologia
defendida por Burke, Scruton, Coutinho ou d'Avila.
Jair Bolsonaro, então, nem se fala. Esse nada mais é do que
um sindicalista do exército e nacionalista sectário, ex-eleitor de Lula, que
votou contra o Plano Real e TODOS os marcos que tentaram modernizar a economia
do país nos dois governos FHC.
Oportunista, ele bebeu na fonte da Operação Lava Jato,
surfando na sua onda e transmutado para um discurso liberalizante na economia apenas como contraponto ao seu inimigo de ocasião, o PT.
E Musk está mais para um excêntrico e maluco beleza genial,
cujos sonhos mais íntimos, apesar de toda a sua trajetória de glórias e
inventos, ainda estão para ser desvendados.
Raiz
De todos esses, Javier Milei é o único que pode ser
considerado um conservador em matéria econômica.
Aliás, o argentino acaba de ver medidas macroeconômicas do
seu governo serem reconhecidas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), sobre
o qual declarou uma porta-voz sua em 04 de abril último:
"O progresso alcançado pelo governo do presidente
argentino Javier Milei é 'impressionante', mas o caminho para a estabilização
não é fácil".
Toma-te, Luiz Inácio Lula da Gastança e Silva.