Os condenados: Trump lá, Lula cá e a pusilanimidade dos cretinos fundamentais cresce ainda mais

02/06/2024 12:00
Os condenados: Trump lá, Lula cá e a pusilanimidade dos cretinos fundamentais cresce ainda mais
"O grande acontecimento do século foi a ascensão espantosa e fulminante do idiota".
Nelson Rodrigues (1912-1980)


Nos EUA, era uma vez um candidato a presidente nas eleições de 2016, Donald J. Trump, que seria eleito naquele pleito, perderia a reeleição quatro anos depois, e viria a ser implicado em denúncias e crimes durante e após o mandato encerrado no mês de janeiro de 2021. 

Fruto de uma dessas acusações, bem como da colaboração premiada de um dos seus antigos advogados, Michael Cohen, na quinta-feira, 30 de junho, Trump, novamente candidato ao posto de presidente do país com chances reais de vitória, foi condenado em âmbito estadual no estado de Nova York, o que pode lhe trazer problemas ainda não completamente dimensionados.

Lhe foram imputados 34 crimes e a condenação por fraude contábil, com os votos consensuais dos doze jurados. Na campanha de 2016, quando venceu Hillary Clinton no colégio eleitoral, ele teria ocultado o pagamento de US$130.000,00 (cento e trinta mil dólares) como forma de calar a atriz pornô Stormy Daniels. Ao mandar que lhe fosse pago o valor com recursos que deviam ser utilizados na campanha, o ex-presidente foi acusado de fraude contra o sistema e o processo eleitoral.

A gravidade da situação interna no país é de tal ordem, que talvez a grande nação democrática possa estar vivendo seu período mais delicado desde a Guerra Civil (1861-1865). Corta para o Brasil do século XXI. 

Brasília, Curitiba e São Bernardo do Campo (2014-2021)

Era uma vez um governo da primeira mulher, uma representante do sexo feminino de esquerda, com passado revolucionário (ou trerrorista), que participou da luta armada, foi anistiada e chegou, graças a obra e graça de seu padrinho político, o ex-presidente Luíz Inácio Lula da SIlva, à presidência da República do Brasil.

Após o período da consagração de Lula, apesar do Mensalão, foi desbaratada a Operação Lava Jato, responsável por apurar a pilhagem da Petrobras e condenar criminosos no maior escândalo de corrupção jamais visto, o Petrolão.


E o que aconteceu depois, todo mundo sabe de cor e salteado. Lula foi condenado e, após a atuação de ministros como Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Edson Fachin, foi "descondenado" e se elegeu presidente novamente.


Em auxílio à trama de Brasília que arruinou a operação após a morte do relator do caso - um verdadeiro freio às intenções contrárias às investigações para cumprimento da lei penal pelo STF -, ministro Teori Zavascki, as posturas desarrazoadas para dizer o mínimo, do presidente que se elegeu na onda da operação, Jair Bolsonaro, deram o beijo de morte na luta contra a impunidade e facilitaram a volta do ex-presidente enrolado até o último fio de barba, cabelo e bigode na roubalheira de centenas de bilhões na maior estatal do Brasil, uma das gigantes do setor em todo o planeta, que culminou no escândalo que pilhou a Petrobras.


Grande Imprensa, jornalistas e cúmplices 

Com efeito, os jornalões de São Paulo e O Globo, do Rio de Janeiro, este último pertencente ao conglomerado do qual a grande estrela é a TV Globo, chancelaram a candidatura de Lula e ajudaram como puderam em todo o período da reabilitação do então ex-presidente.

São os mesmos veículos, O Estado de S. Paulo, Folha e que tais, que agora se voltam contra as últimas decisões monocráticas de Dias Toffoli em benefício dos corruptores Batista, da JBS, e, mais recentemente, Marcelo Odebrecht, também descondenado pelo ministro. 


Trump x Lula

Tome-se como exemplo a maioria da turma que cobre política de Brasília e internacional da Globo News. Observe o malabarismo de um Marcelo Lins para analisar a pré-candidatura de Trump após a condenação por fraude fiscal e faça uma busca sobre as opiniões dele a respeito de Lula de 2017 até o ano passado.


Assista Guga Chacra desancar a possibilidade de um condenado presidir os EUA e ouça a opinião de uma Natuza Nery ou Daniela Lima sobre a legitimidade lulista, de 2021, sua campanha e eleição em 2022 e todo o ano de 2023 pra cá. 


Não fosse patético e vergonhoso para todos os "comentaristas" lulistas e antitrumpistas ter de se equilibrar entre ser contra Trump lá e a favor de Lula cá, é desonesto intelectualmente com os assinantes. E desrespeitoso.


Hora da grandeza ou Nelson Rodrigues e Otto Lara Resende

A TV brasileira já teve sua era de ouro. Fato. Agora, imagine dois dos maiores homens da cultura e letras nacionais ofertarem toda erudição, genialidade e sabedoria de ambos diante dos milhões de telespectadores da televisão aberta.

Na segunda metade dos anos 1970, mais precisamente em 1977, o "mais mineiro dos cariocas e mais carioca dos mineiros", Otto Lara Resende (1922-1992), uma quase unanimidade nacional, recebeu aquele que lhe tinha muito provavelmente como alter ego, o gênio e maior intérprete da alma brasileira, Nelson Rodrigues (1912-1980).


A conversa se dá com o estóico Nelson, ex-tuberculoso que acabara de sair de um coma de duas semanas e fora ao quadro de entrevistas de Otto num noticiário para falar da sua autobiografia, "O Reacionário", que tinha a acabado de lançar.


A riqueza da obra de Nelson, da genialidade que frequentou a sua casa em quatro espécimes, incluídos seu pai, Mário, e os irmãos Roberto e Mário Filho (sim, o nome do Maracanã), além dele, bem como a sua riquíssima história de amizade com o mineiro, fez o encontro ir da informalidade à sinceridade quase total.


Quase, porque em se tratando de Nelson, nunca se sabe quem estava falando, o dramaturgo, o ator canastrão, o moralista, o anti-comunista, o maior cronista, o profeta apocalíptico, o anjo pornográfico ou a 'flor de obsessão".  


Uma pista de quem ele podia estar vocalizando ao responder as perguntas do quase santo Otto, vem dos temas questionados pelo autor de "O braço direito". 


"Jovens, envelheçam"

Frasista quase inigualável em âmbito local de todo o século XX, somente a coletânea "Flor de Obsessão", organizada por Ruy Castro, contém mil frases ditas pelo autor de "Vestido de Noiva".


Aliás, na conversa, Otto lhe pergunta com quantos anos escreveu a peça, o livro. "Aos 27", respondeu ele. A pergunta se dá por outra frase proferida por si, e que encerrou a conversa, sobre qual conselho daria aos jovens, no que ele sempre afirmou e repetiu: "envelheçam".  


"Ao cretino fundamental nem água"

Afinal, como já antevia Nelson, o crepúsculo do século XX, a alvorada e este quase ¼ de século do XXI, confirmam a sua previsão de que os cretinos fundamentais dominariam o mundo. 


Na entrevista, o pernambucano criado no subúrbio carioca deixa claro a razão para o seu triunfo: a burrice que mundialmente grassa impiedosa é quem está por trás da proliferação da espécie.


"Os cretinos fundamentais dominariam o mundo pela simples vantagem numérica e, também, por sua incrível capacidade de auto-organização", dizia ele. 


"Subdesenvolvimento não se improvisa. É obra de séculos"

Dito isso, hoje em dia, acrescente-se o cinismo de corar anêmico que também os envolve. Eles estão por trás da defesa do Hamas, Lula, Trump, Bolsonaro e são de todos os matizes. Este arquétipo que emula os tolos, segundo dizia o gênio, permanece bestial e triunfante, "teimoso, rude e impetuoso" pelo Brasil afora. 


No grito e a manada

O cretino fundamental, ensina o autor da concepção, era um papagaio, hoje chamado de "gado". O sujeito emula argumentos sobre os quais seria incapaz de formular qualquer opinião. 


"Ponha um cretino fundamental em cima da mesa e você manda ele falar, ele dá um berro e imediatamente, milhares de outros cretinos se organizam, se arregimentam e se aglutinam.”


O idiota da objetividade é também um cretino fundamental


Em 1978, pouco antes da Copa da Argentina, o então jovem e brilhante repórter Geneton Moraes Neto (1956-2016), morto precocemente, foi entrevistar o autor de "A Dama do Lotação, Toda nudez será castigada e Beijo no Asfalto", em seu apartamento no Leme.


Na data, haveria um jogo amistoso no Maracanã entre Brasil e Peru, vencido pela seleção canarinho por 3 a 0, com um gol de Zico e dois de Reinaldo. 


Considerado ao lado do irmão Mário Filho, o maior cronista esportivo do Brasil (quiçá do mundo), Geneton temia que a hora da entrevista, marcada no mesmo horário da peleja, acabasse sendo cancelada ou atrapalhasse o 'milenar tricolor" na hora do espetáculo.


Para sorte dos leitores da época e gáudio do jovem “conterrâneo" do entrevistado, a conversa correu às mil maravilhas, e dela Geneton extraiu a seguinte pergunta: 


O jornalismo brasileiro continua padecendo de objetividade? – que o senhor considera uma "doença grave?"


N.R. – O idiota da objetividade é o jornalista que tem grande fama, todo mundo, quando fala dele, muda de flexão. Mas eu acho o idiota da objetividade um fracasso. Isso num julgamento absoluto.


Alguma coincidência? 


Do céu, Otto e Nelson (talvez) clareiem e combatam a decadência da imprensa e a mediocridade dos atuais “comentaristas" de fancaria. 


Pode não haver um norte ou esperança quanto a salvação do jornalismo, mas esse tempo de glórias em que pontificavam um Otto Lara Resende e um Nelson Rodrigues dão a vaga ideia de que cultuar o passado, às vezes, não se trata de apenas nostalgia, mas de agarrar-se ao que um dia valeu a pena ouvir, aprender e até imitar. 


Nelson, antítese e antípoda da burrice e profeta inigualável em interpretar o Brasil e o seu futuro, permanece um farol. Já o Otto, sinônimo de bonomia, erudição, categoria e excelência profissional, permanece personificando a associação do brilho pessoal à honestidade moral e intelectual na vida e no trabalho. 


Quanto aos destinos e julgamentos de gente como Trump, Lula, seus defensores e detratores, estes, como antecipara Nelson, não passam, muitas das vezes, em espécies acabadas de cretinos fundamentais e idiotas da objetividade em suas insignificância e pusilanimidade. Pfui.  


Em tempo: assista a entrevista com Otto aqui:

E Leia com Geneton aqui:


Créditos fotos ilustração:
Otto Lara Resende: reprodução acervo Instituto Moreira Salles
Donald Trump: reprodução redes sociais
Lula: reprodução redes sociais
Nelson Rodrigues: Guia da Semana

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