Campanhas políticas e lições de Duda Mendonça

Mesmo na era da comunicação digital e das plataformas online, o talento do publicitário não sai da cabeça dos políticos

24/03/2024 12:41
Campanhas políticas e lições de Duda Mendonça

Na área do marketing político e das estratégias nas campanhas eleitorais no Brasil, está para surgir um profissional cuja competência é capaz de torná-lo uma quase unanimidade quando o assunto é vencê-las, ainda mais fazendo bonito, tal e qual um Duda Mendonça.

Tirado quase que a fórceps da cena principal da política nacional após as revelações do escândalo do Mensalão, em 2005, o publicitário baiano morto em 2021, às vésperas de completar 78 anos, foi lembrado pelos próprios políticos como "o melhor" na área da comunicação e marketing político por nada menos do que 39% dos entrevistados, quase três anos após a sua morte.

A pesquisa foi realizada pelo Instituto Informa, sediado em São Paulo, e divulgada recentemente. O estudo foi feito com 222 (duzentos e vinte e dois) integrantes do Congresso Nacional, entre deputados e senadores.

Duda Mendonça obteve a ampla liderança entre as citações, seguido pelo ex-pupilo e também baiano João Santana, que teve 15,7% da preferência, cerca de 20 pontos a menos que seu ex-chefe. Profissional da nova geração, o paulista Marcelo Vitorino ficou em terceiro lugar com 9,3% dos votos.

Outro dado importante captado: 94% desses congressistas disseram contar com profissionais da comunicação em seus gabinetes.

Apesar de ter-se celebrizado nacionalmente por traçar as estratégias vencedoras da campanha à prefeitura de São Paulo de Paulo Maluf, em 1992, depois de cinco derrotas eleitorais seguidas - inclusive para a própria prefeitura quatro anos antes -, ele se tornou conhecido de vez pelo Brasil dez anos depois, já como marqueteiro de outra peleja vitoriosa após sucessivos fracassos: a eleição de Lula em 2002.

Duda Mendonça se notabilizou pela criação de peças inovadoras e sem conexão com estratégias tipo, padronizadas. Autenticidade e apostas que se mostravam certeiras eram duas das suas marcas registradas.

Revelados os bastidores da forma de pagamento e volume de dinheiro pago a eles, a figura dos "marqueteiros" saiu um tanto manchada após o "Mensalão", o que custou a Duda, inclusive, a perda do protagonismo da cena e a prisão, fato semelhante ao que ocorrera com o segundo mais admirado pelos congressistas após o "Petrolão", João Santana.

Numa espécie de "rebranding" da atividade, hoje em dia os antigos profissionais passaram a  ser chamados de "estrategistas políticos", ainda que Duda assim já se definisse, o que não deixa de ser justo, e são merecidamente reconhecidos como profissionais fundamentais nas campanhas eleitorais no país.

Com efeito, Duda Mendonça conseguiu ser brilhante sendo instintivo, emotivo não apelando para sentimentalismos baratos e incisivo na defesa dos méritos dos seus clientes ao ponto de convencê-los que eles, candidatos que o contratavam, eram os mais preparados para os desafios que precisavam ser enfrentados e vencidos em benefício da maioria dos eleitores.

Casos e Coisas

Em 2001, ele lançou "Casos e Coisas", um livro em que fala dos bastidores do mundo político, de processos criativos, pesquisas, família, dá dicas e caminhos que devem ser seguidos por seus assessorados e clientes, entre outras revelações e convicções firmadas em anos de dedicação à sua atividade profissional.

Segue abaixo um (primeiro) decálogo escolhido discricionariamente, com vistas a clarear estratégias de campanhas que, apesar do advento das redes sociais, das milícias online, das fake news, e agora até da inteligência artificial sendo usada para incriminar adversários, permanece atual, sendo utilizado, como se vê entre os políticos que o consideram, apesar de morto, o melhor entre os melhores. 

1 - Seja objetivo e entre para ganhar
Jogar claro, aberto, colocando as coisas nos seus devidos lugares, desde o princípio, de um modo bastante objetivo;

2 - Faça um "diagnóstico"
Primeira tarefa é reunir informações relevantes fundamentadas em pesquisas quali e quantitativas, fazer entrevistas de profundidade, análises da situação política, quadros comparativos com os principais adversários, de modo que se chegue às primeiras conclusões;

3 - Conheça de perto o eleitor
Quem vota e quem pode votar no seu candidato, deixando de lado quem o rejeita; ter como preocupação não perder votos e, para tanto, se valer de pesquisas "qualitativas". As "quali" conseguem ir mais fundo na alma do eleitor, possibilitando conhecer com maior intimidade o pensamento de jovens, idosos, das donas de casa, profissionais liberais, empresários, donos e frequentadores dos botecos das esquinas, professores, jogadores de futebol, de todos os extratos sociais e regiões, afinal. Em seguida, mapear tudo relacionado aos indecisos. A prática possibilita saber, "razoavelmente", prós e contras do candidato;

4 - Pesquisas
Pesquisas são números e dados coletados de forma fria, sem emoção. Invariavelmente, quem as responde o faz com a cabeça. Todavia, na hora de votar, o coração também influencia. É por isso que, de vez em quando, ocorrem modificações aparentemente inexplicáveis, nem sempre identificadas, mas que acontecem em razão de fatos novos;

5 - Pesquisas quantitativas (quantis)
Têm o objetivo de conhecer e quantificar preferências, aspirações, medos e anseios de um determinado grupo de pessoas, que pode ser uma escola, cidade, região, estado e até mesmo um país;

6 - Pesquisas Qualitativas (qualis)
Esta modalidade tem como objetivo conhecer mais a fundo o pensamento de um determinado grupo de pessoas, representativo de uma determinada camada da população, com metodologia inteiramente diferente da empregada nas "quantis". Sua metodologia é muito antiga e sempre foi bastante usada para testar produtos; 

7 - Jingle, um discurso musical
Jingle é um discurso musical dirigido a um eleitor. Se for bem-feito, vai chegar ao coração dele, até mesmo antes de ter passado pela sua cabeça. O eleitor não tem de sair por aí cantando o meu jingle. Tem é que incorporar, absorver as mensagens e argumentos do candidato;

8 -  Debates
O debate eleitoral, na televisão, é show. Mais precisamente, tem muito a ver com teatro - não só no Brasil, mas em todos os lugares do mundo. (...) Desconhecer essa natureza é correr riscos de cometer equívocos básicos, elementares. O que fica de um debate na cabeça do público é, muitas vezes, somente um detalhe. Uma frase de efeito, uma formulação clara e feliz, uma jogada desconcertante, uma postura precisa, uma atitude, um gesto. É o momento mais temido por todos os candidatos, mesmo que eles não confessem isso claramente. O que o público espera de um candidato, num debate, é um ser humano sincero, verdadeiro, equilibrado. Se você ataca sistematicamente o seu adversário, você perde a simpatia;

9 - Aprenda com o outro
Aprendi muito fazendo e olhando os outros fazerem. Como nunca gostei de errar, sempre estive muito atento ao que os outros faziam. Se desse certo, eu aprendia uma lição; se desse errado, aprendia outra;

10 - Casos, coisas, conselhos e lições
Marketing e propaganda são coisas bem diferentes. Toda tecnologia que utilizo e as experiências que venho acumulando me mostram, sistematicamente, que meu poder é limitado. Sou apenas e tão-somente um importante instrumento de apoio que potencializa fatos, projetos, ideias e soluções. (...) Nunca se engane: meras jogadas de efeito não se sustentam, não dão certo por muito tempo. (...) O marqueteiro é um estrategista e não um professor universitário ou um cientista político. Ele tem que ter senso de oportunidade e competência para transformar pensamentos, obras e ações em gestos simbólicos.

 



PS1
: PF prende mandantes do caso Marielle Franco. Irmãos e autoridades públicas, um conselheiro de Tribunal de Contas e um deputado federal, em parceria com um delegado de polícia são os acusados.

PS2: Na estreia de Dorival Jr na seleção, time vence a Inglaterra em Wembley com destaque para os jovens Vini Jr. e Endrick.

PS3: Há esperança.

PS4: Continuam as plantações de notinhas, "análises" cobertas de interesses, intrigas prenhes de mágoas e escassas de objetividade por razões óbvias: o jogo só vai começar, valendo, em agosto. Até lá,  com vocês um pouco do inesquecível mago (para os políticos). 

PS5: Um abençoado domingo de Ramos, amém.

Mais matérias Política