PSDB entre a extinção, o nanismo e a espera de outro milagre (1ª parte)

19/09/2023 19:18
PSDB entre a extinção, o nanismo e a espera de outro milagre (1ª parte)

Sob o título “Quem somos”, matéria destacada na chamada de capa da edição 204 da revista piauí coloca novamente o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) na berlinda.

No caso, insinuando crises de identidade e existencial, somadas à possibilidade clara do partido caminhar rumo à insignificância e, pior, à finitude.

Internamente, na página 20, tem início a matéria propriamente dita intitulada desta feita de “Tucanos no divã”, com subtítulo (ou sutiã no jargão jornalístico) “a história de um partido que foi, já não é mais e luta para voltar a ser - não se sabe bem o quê”.

Para quem como este signatário (royalties para Elio Gaspari), eleitor e militante do PSDB formal e informalmente ao longo de sete eleições presidenciais, entre 1989 e 2014 e oito estaduais, na profissão que abraço, não comentar a matéria da publicação que coleciono e possuo todas as suas edições seria um ato de omissão.

O que torna imperativa a redação de um“textão”, como é classificado pelas novas gerações aquilo que se escreve em mais de três ou quatro parágrafos. Neste caso específico, sendo tratado em duas partes.

Quando foi fundado em 1988, o PSDB tinha propósitos “mais elevados” que aqueles ora praticados por líderes do PMDB de antanho como os governadores de São Paulo, Orestes Quércia, e Newton Cardoso, do estado das Minas Gerais.

Os dois anos que separaram as eleições de 1986, quando foram eleitos governadores e parlamentares constituintes em âmbitos estadual e federal e a criação do partido, bastaram para que as diferenças e o comando de fato dos destinos do PMDB rachasse irreversivelmente.

A divergência não só afastou lideranças como o ex-governador Franco Montoro, os senadores Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso e Almir Gabriel; os deputados federais José Serra e Geraldo Alckmin, entre outras, como resultou na criação do novo partido.

Ao lado da sigla com as palavras “social democracia brasileira”, os políticos escolheram um tucano, símbolo coberto de significados, para compor a marca do partido nascido da costela do velho MDB, que um dia fora o PSD de Juscelino Kubitschek.

Em tempos de predominância do debate ambiental e COP 30 em Belém, cumpre lembrar que a ave é daquelas que colabora com a dispersão de sementes, ação fundamental na regeneração das florestas.

Sua escolha simbolizava a crença dos seus fundadores na democracia e no centro democrático como pilares na construção de um modelo de país que seria apresentado um ano depois, em 1989.

O plano de governo do seu candidato presidencial propunha um “choque de capitalismo” ancorado na experiência europeia e na sociologia de Max Weber.

A social democracia atraiu para os seus quadros o bem avaliado governador do Ceará, Tasso Jereissati, e o prefeito da capital cearense, Ciro Gomes.

Dois jovens que representavam a renovação da política nacional, “a semente tucana disseminada”, ambos realizadores de boas práticas na gestão pública, responsáveis por mudanças em indicadores sociais e econômicos que tornaram-se históricos no Ceará, alçando os dois ao primeiro time da política do país.

Eram tempos de esperança que, após infortúnios e ameaça de “extinção” já na década seguinte que se avizinhava, um impeachment, um presidente constitucional “mercurial” e um sociólogo capaz de reunir um time de notáveis economistas e seus currículos luminares que conseguiram, finalmente, criar um plano de estabilização econômica, o Real, domar o dragão da hiperinflação e eleger um presidente da República.

Fernando Henrique Cardoso (FHC) liderou reformas institucionais. No congresso, primeiro o jovem deputado Luís Eduardo Magalhães, depois o paulista Michel Temer, comandavam a aprovação das matérias de interesse do governo, quase sempre garantindo um caminhão de votos e honrando cada compromisso assumido.

Lei de Responsabilidade Fiscal, programas de transferência de renda que deram origem ao Bolsa Família; privatizações responsáveis por ajudar a modernizar o estado; universalização da telefonia, fim de déficits eternos em estatais, entre outras dezenas de marcos regulatórios compõem o legado de FHC.

Reformas de um governo que enfrentou severas crises econômicas de países como México, Argentina e economias europeias que restringiram o crédito, fariam o país avançar em competitividade, educação, ciência e tecnologia, tudo ao mesmo tempo em que a estabilidade econômica passou a fazer parte da geração forjada na hiperinflação e na fisiologia da “Nova República” do período Sarney.

A reeleição, Luís Eduardo e o Apagão

Com o fim do governo Sarney, o impeachment de Fernando Collor, a revisão e o plebiscito constitucional de 1993 referendando o regime presidencialista, o país passou a debater a instituição da reeleição para mandatos executivos.

Incontinenti os escândalos de praxe da república que não poupariam o governo FHC, é quase unânime entre analistas e historiadores do período que a aprovação da emenda da reeleição, em 1997, pelo Congresso Nacional, possibilitando a recandidatura do presidente de mandato vigente, fora o pecado original, o ovo da serpente de todos os males que viriam atingir o coração do seu governo.

O primeiro mandato que findaria em 1998 foi completado por outro, reeleito que FHC fora (novamente em 1º turno). O presidente inaugurou um inédito segundo período em 1º de janeiro do ano seguinte, 1999, se estendendo por quatro anos e encerrando em 31 de dezembro de 2002.

Se no cenário externo as crises impediam um voo em céu de brigadeiro, minando o crescimento econômico desejado e esperado pela maioria, o infarto fulminante que cessou precocemente e vida do deputado Luís Eduardo Magalhães foi o primeiro golpe capaz de abalar as estruturas do governo de FHC.

As mortes de Sérgio Motta (um dia antes de Luís Eduardo) e Mário Covas, em 2021, somadas as disputas intestinas entre potenciais sucessores, a estagnação econômica e o apagão nacional a um ano do fim do mandato presidencial somaram-se e formaram a tempestade perfeita pela qual passaria o governo de FHC.

Uma oposição sistemática com discurso de ética na política e permanente boicote às reformas de interesse nacional por parte do PT de Luiz Inácio Lula da Silva, a prática do “quanto pior, melhor”, era um dos ingredientes que se somavam ao crepúsculo do período tucano no poder central.

Passividade e demonização

Com a vitória de Lula em 2002, o PSDB reuniu os cacos e ensaiou uma oposição ao novo governo que se mostraria tanto tímida quanto passiva. Falo em relação ao discurso comandado por Lula sobre uma “herança maldita” que de maldita nada tinha, mas inaugurava a era das narrativas lulopetistas em busca de hegemonia política e demonização da oposição.

Na eterna crise de identidade tucana, revisitada pela matéria da piauí que inspirou este texto, tucanos em geral jamais fizeram a defesa do legado de FHC, sobretudo na área social e relativamente aos benefícios que a privatização do Sistema Telebrás trouxe à população mais pobre.

Mesmo marcos de governo como a estabilização da moeda e a Lei de Responsabilidade Fiscal jamais foram tratados como os ativos que realmente eram.

A crise de identidade retratada no título e “sutiã” da matéria, “a história de um partido que foi, já não é mais e luta para voltar a ser - não se sabe bem o quê”, fala dos perfis que agonizam nas fileiras e ameaçam tornar o partido do “Plano Real” um nanico sem, sequer, tempo de TV ou acesso ao fundo partidário.

O PSDB do Pará

No Pará, estado onde o PSDB governou por vinte anos e cinco governos, desde 1995, as disputas internas e a decadência se assemelham àquelas sofridas em âmbito nacional e nos diretórios partidários mais poderosos em décadas, São Paulo e Minas Gerais.

As razões semelhantes somadas ao Petrolão, Operação Lava Jato e o surgimento do bolsonarismo puseram fim a sete governos tucanos eleitos sucessivamente em São Paulo e outros quatro alternados na terra de JK e Tancredo Neves.

Dito isso, a segunda parte deste texto irá tratar do que foi relevado na piauí de setembro de 2023 e a situação do diretório paraense do tucanato.

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