Voa, Maestro! Paulo André Barata (1946-2023)

01/10/2023 12:06
Voa, Maestro! Paulo André Barata (1946-2023)

O "último Titã" descansou.

Este texto não é um obituário, apenas o registro da nossa amizade de bar, da vida, das letras, da bola, da História e da política. 

-       Maestro, boa tarde. Tudo bem?

-       Fale, Toninho. Tudo bem. E você, querido?

-       Tudo ótimo.

-       Mestre, você vai no casamento da Juliana?

-       Tô com vontade.

-       Quer ir comigo? Estou "na pista" e, bicho do mato, não queria ir só. Bora?

-       Ô, Toninho. Muito obrigado. Está marcado. Que horas você passa aqui?

-       Sete e meia.

-       Fechado. Vou estar pronto.

-       Toninho, na festa, se conheceres uma amiga dela, pergunta se a mãe está disponível e me dá um toque. Essa parceria também pode dar jogo.

-       (Risos) Na hora!

Cerimônia linda na Igreja de Santo Alexandre. Foi sentarmos lá atrás e, ao nos avistar, o pai da noiva, Denis Cavalcante, fez cara de emocionado.

Mais tarde, já na recepção, ele disse que nos ver chegar e sentar o fez segurar (de novo) o choro.

Na festa, depois da noiva, tenho certeza, o autor de ”Foi assim” foi o mais tietado.

Desembargadores fizeram fila para tirar fotos. Um ex-presidente do TJPA se aproximou da nossa mesa e disse:

"Paulo André, vem aqui comigo na mesa (logo atrás). Quero te apresentar a minha esposa. Finalmente, ela vai acreditar que somos amigos. É muito fã tua.

Um convidado (outros três casais sentaram na nossa mesa), após o músico sorver quatro fartas doses de "Black" - ele preferia Buchanan's -, caiu na besteira de avançar o sinal:

-       Paulo André, por que não te candidatas à Academia Paraense de Letras? Com o… não conseguiu completar a frase, que seria "(...) o apoio do Denis…" 

-       Não faço questão. Semana sim, semana não, recebo uma homenagem dos quatro cantos do estado. Meu pai tem três estátuas em Belém. O carinho e o reconhecimento dos meus conterrâneos me bastam.  

-       Toninho.

-       Diga, grande!

-       Reparaste que têm umas amigas da noiva dando umas voltas por aqui?

-       São suas fãs, meu rei. Querem uma foto, selfie ou autógrafo…

-       Que nada. Vai tirar uma pra dançar e pergunta se a mãe… Combinamos…

-       Deixa tomar mais uma dose que me arrisco…

 Havia meninas andando por lá mesmo. Fato. Quinze minutos depois, o astro local de fama internacional me dá um alô e joga a toalha.

-       Toninho.

-       Diga.

-       Bora nessa? Tô bêbado.

-       Quem mandou não tocar na comida ou nos "acepipes", como diz o Denis?

-       Pede um táxi pra mim. Fica aí e aproveita.

-       Porra nenhuma. Viemos juntos e vamos juntos. De braços cruzados.

-       Obrigado, irmão. Amo você.

-       Eu também lhe amo. 

Salvo engano, era fevereiro ou março de 2012.

Entre o final de 1999 e fevereiro de 2013 nos encontrávamos três, quatro, cinco, seis vezes por semana no "nosso" bar, o Cosanostra. Na última década as conversas rareavam. Jamais o meu amor e admiração por ele.

Honra grande pra mim, em 2006, sua doce e amável irmã, a Nazaré, me ligou convidando para o almoço das suas 60 primaveras no mítico bangalô da Generalíssimo com a Domingos Marreiros.

Tinha idade pra ser meu pai. Antes dele, era amigo da sua filha Ana Luíza, tão querida e doce como a irmã, Nazaré. 

Eu me perguntava: o que vou fazer lá? Os amigos da velha guarda não vão entender nada. Serei um elefante naquela loja de cristais. Mas ele cruzou comigo no Cosa e foi categórico:

-       A Ana Luíza ou a Nazaré falaram contigo pra te convidar pro meu aniversário? Não aceito desculpa. Se não fores, não fala mais comigo.

-       Tudo certo.

Fui e quase fiquei invisível.

Entre 2017 e 2018, graças à generosidade do Ronaldo Maiorana e do carinho da advogada do grupo, Ana Bethânia Pingarilho, escrevi uma coluna aos domingos em O Liberal. 

A primeira "Ensaio sobre a grandeza" foi acompanhada por uma longa entrevista de quase página inteira que fiz com ele.

Era uma dupla homenagem, pois a ideia do espaço era exatamente essa: toda semana homenagear um grande vulto paraense, brasileiro, mundial.

Pra relaxá-lo, comprei um Buca. Conforme combinado, num sábado, 02 de dezembro de 2017, o apanhei em casa, fomos fazer umas fotos ao lado da estátua do seu parceiro, pai, mentor, alter ego e melhor amigo, o poeta Ruy Barata, no Parque da Residência.

No local, um casal de turistas tiravam fotos e, ao perceber que eu o fotografava "ao lado do pai", se aproximaram e perguntaram se era "o famoso músico Paulo André Barata".

Após responder que era o próprio, a tietagem começou. Ele sorria, era carinhoso e gostava do reconhecimento. Claro que gostava. Quem não?

Eu me emocionava. Todos o tietavam e nós desfrutávamos da sua companhia quase diária no "nosso bar".

De lá, o levei até "a rua dele, o rio". O Portal da Amazônia foi o destino escolhido.

Meu velho e saudoso companheiro de batalha por mais de uma década no TCE, Rodrigo Lima, foi nos encontrar no Cosa e fez as fotos maravilhosas que ilustram esta homenagem e a entrevista de O Liberal. Ainda bem, pois não encontrei as fotos que fiz e as iria postar também.

"Deu-se a merda em Cuba"

Socialista democrático, social democrata pragmático. Amado em ambos os espectros ideológicos, Paulo André me adotou mesmo sendo eu um lacerdista.

Nunca o achei agressivo. Sempre só um pouco nervoso após uma meiota. Afinal, meio litro de scotch, uns 20 cigarros e de barriga vazia… Era melhor não contrariá-lo…

A senha para dar-lhe uma carona ou colocá-lo no táxi era essa: quando ele começava a falar das shits do Fidel na ilha caribenha, estava na hora de relevar os excessos e esperar até a próxima farra, diária ou semanal.

Paulo André foi perdendo a saúde e ficando mais deprimido. Minha entrevista queria homenagear-lhe em vida, o que consegui.

Paraora raiz, foi um homem de talento universal. Cronista, poeta, maestro, arranjador e compositor brilhante. Parceiro de titãs como ele e o pai. Fez um clássico com João Donato "Nasci para bailar".

A música eternizada pela diva da Bossa Nova Nara Leão, ao lado de Foi assim, que celebrizou a amiga e irmã Fafá, lhe colocou no topo das paradas.

E isso não era pra qualquer um. Menino, chegara no topo.

Não há compêndio, almanaque, lista ou antologia da MPB onde não tenha um verbete ou registro sobre si.

Me encantava demasiadamente a sua convivência, primeiro por meio do pai, depois pelo seu brilho próprio, no meio de gênios, boêmios e intelectuais que fizeram parte da sua rotina.

O mentor da geração do poeta Ruy, Francisco Paulo Mendes, Benedito Nunes, Mário Faustino, Max Martins, Clarice Lispector, Elizabeth Bishop… Todas e todos. 

Tom Jobim, João Gilberto, Nana Caymmi (sua ex), Paulo César Pinheiro; o cânone da música popular o admirava e respeitava. O biógrafo da Bossa Nova, Ruy Castro, idem.

Na noite da partida, que era seu dia de nascido, a morte do poeta dos acordes foi notícia no Jornal Nacional. Milhões assistiram. Todo merecimento.

Várias foram as homenagens em sua terra natal.

A mim sempre pareceu um ícone, um clássico, um compositor genial, gente como a gente.

Para este escriba, leigo, curioso, músico frustrado, a harmonia de "Esse rio é minha rua", sua riqueza melódica… as idas e vindas dos acordes… fizeram dela uma deliciosa obra-prima da música popular.

O carimbó mais perfeito e belo de todos os tempos. 

A levada de Pauapixuna…

A letra, os arranjos e a poesia de "Foi assim"...

Que orgulho desse paraense. Desse bicolor.

Que privilégio o meu.

Nas dezenas de farras que fizemos e nas caronas que lhe dei de volta pra casa, desde 2012, ele sempre repetia:

"Toninho, obrigado por ter me levado pro casamento da Juliana. Muito obrigado por ter me trazido pra casa também. Não paqueramos as mães e filhas. Mas nos divertimos."

A gratidão era minha. Sempre foi.

Amanhã (02/10/23), amigos e fãs poderão novamente homenageá-lo na sua Missa do 7º dia.

Como no Hamlet, repito regozijado:

"Good night, sweet prince".

E feliz aniversário.

Com amor e gratidão,

Sempre seu,

Toni Remigio.








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