Paulo Silber
Meus heróis são vivos. São de carne e osso. Não usam roupa colada no corpo nem capa sobre os ombros. Dispensam armas secretas, cintos de utilidades anacrônicos e arsenais tecnológicos de última geração.
Eles duelam às claras, mesmo, manuseando com a precisão e a elegância de esgrimistas aquele que é seu bem e mal maior: a inteligência. Correndo o risco de, eventualmente, não terem razão.
Sim, heróis também erram, ao menos os meus.
Erros daqueles que lhes expõem fragilidades aparentemente inverossímeis para gente como eles, com a qualidade de heróis. Tanto é que esses erros parecem ter sido errados de propósito, só para que nós, do lado de cá, gente acostumada a aprender com eles, saiba exatamente o que não se deve fazer. E quando gente como nós repete esses erros jamais escapa da vergonha de não ter entendido o recado.
Meus heróis são assim, esgarçados, ousados, marrentos, implicantes, apaixonados, instigantes, exagerados, delirantes. Donos de uma sinceridade tão explícita, que se não fosse de verdade pareceria blasfêmia. Compreender a ternura deles não é para qualquer um, apenas para quem se permite sabê-los pelo caminho mais difícil, que não admite atalhos, aquele caminho que somente eles sabem, os sacanas.
Os meus heróis não são santos. Não foram ungidos. Não lhes ergueram altares nem poliram estátuas. Não estão acima de qualquer suspeita. Não são politicamente corretos e muito menos comportados. Mas são amados, isso são, como pouca gente é amada. Exatamente por não serem aquilo que se espera deles. Por se manterem na condição encantada dos inesperados, aqueles seres a quem se consente a graça de abrir fendas no que se supõe consagrado.
Subversivos seres, esses meus heróis. Graças a Deus, subversivos.
Não é à toa que esses caras, os meus heróis, parecem estar o tempo todo inflamados, com as dores, tumores, rubores e calores que os mantêm em carne viva. O tempo todo pulsando, com a impressionante capacidade de pulsar além de si mesmos. E de reverberar essa vida, por exemplo, em mim.
Não são exatamente humanos esses meus heróis. Ou não estariam vivos, aqui dentro, como se alguma parte minha fosse na verdade um generoso pedaço deles. Mas não são exatamente humanos mesmo! Não os meus heróis.
Ou não estariam aqui, o tempo todo vivos, o tempo todo vivos! O tempo todo!
Até quando lhes é inevitável morrer.
Texto escrito em 26 de junho de 2013. Está publicado no livro “Papai, você não tem amigos normais?”, lançado em 2015.