TBTexto: Genros, gárgulas e maçãs

Desta feita, o cronista Silber não aliviou nem o genro. Mas teve troco.

30/01/2025 17:00
TBTexto: Genros, gárgulas e maçãs

Liguei pra Camila:

- Ei, filhota! Tô na área. Bora almoçar?

- Uhuuu! Bora, pápi! Onde você tá?

- Tô em São Brás. A gente pode se encontrar numa Boi da vida.

- Lesgal.

- Traga o Pin.

Pin é o Thyago Pina, namorido da Camila. Cada vez que me refiro a ele, chamo de um jeito: Pin, Poin, Pluct, Ploft, Pum, Puf.  Não é sacanagem, só brincadeira mesmo. Pra ver se eu o irrito. Carinhosamente, é claro. Nem motivo eu tenho, pelo contrário. 

Gosto do Pirlimpimpin. Suponho que ele goste de mim. Com reservas, talvez, porque, se não as tivesse, eu desconfiaria da sanidade dele. 

Além disso, o que é mais importante: trata a Camila muito bem, os dois se entendem, fazem planos, têm sonhos, são cultos, bebem bonito, têm uma bela ligação espiritual. Gostar da Camila é fácil. Amá-la é inevitável. Agora, ser amado por ela, é para os fortes. É escorpiana. Nascida do improvável encontro entre uma típica capricorniana e um geminiano raiz. É filha de Iansã, Xangô e Iemanjá! Idô Iyá! Te mete!

O Pinpompin é do bem. Cara trabalhador, ponderado, bonitão. Ok: mais ou menos bonitão. Mas se a Camila não pegasse, o papai pegava. Dormindo, não faz mal a ninguém. Só tem duas coisas no Plimpin que eu não curto. Quase odeio, cá pra nós. 

Primeira: o cara é alto. Passa de mim, brincando, mais de dez centímetros. Aí, é sacanagem! Pra que isso? Um bom genro só deveria crescer até a altura do sogro e pronto. O que ele ganha com essa ostentação? 

Só não fico mais puto, porque é bacana encostar a cabeça naquele peitoral macio, quando eu o abraço. Mas não quero falar sobre isso.

A segunda coisa chega a ser revoltante. 

- Ah, papai! - Camila falou, minutos antes do nosso primeiro almoço. - Tem umas comidas que o Pin não come...

“É fresco!”, pensei. Mas me contive: sou 5ª série em tratamento. 

Fiz o pai gentil, moderando a ironia:

- Defina “umas comidas”, filhota.

Ela desembainhou a lista, maior que o próprio rol de alergias:

- Ele não gosta de maniçoba, vatapá, caruru. Odeia caldeirada, moqueca, peixe frito. Aqueles pratos com camarão, tipo camusquim, sabe? Têm que passar longe. Macarrão, só se for talharim número 5, com um azeite específico que eu me esqueci agora o nome. Um tal de Egoleum, uma coisa assim. Strogonoff não entra. Lazanha nem fod..., desculpa, nem pensar!

Não foi por mal, mas eu tinha que debochar dessa informação. Até porque eu como de tudo, tirando pupunha – e não foi por falta de tentativa:

- Do que o bebezinho gosta? Geleia de Mocotó Colombo?

- Papaaaai... – Camila ralhou.

Parei. Fui direto ao ponto:

- O que ele come sem piscar?

- Bife com batatas fritas. 

- Sério?

- Sem farofa.

- Cara...

- Nem cebola.

- Vou ao banheiro.

Explico meu drama. Eu gosto do PomPin. Mas o cara só come bife com batatas fritas, cacete! O cara tem 1,85m de altura e só come a porra do bife com batatas fritas! Alguma coisa está fora da ordem, meu Deus!

Explico minha inveja. Já comi de tudo, a vida inteira. Macaco, rã, maniçoba. Preguiça, paca, turu. Bode, rabada, tatu. Peixe, então, não tem um que eu não coma. Peixe de pele, de escama, cru. Comi cação, gurijuba, pacamão. Peixe feio, bonito, estranho. Peixe criado, pescado, roubado. Peixe espinhento, filé, do jeito que vier. E nunca passei de 1,73m. Não é justo!

Corta para o dia do nosso primeiro almoço. Eu, Didi e Camila mergulhados na caldeirada de filhote ao tucupi. Hmmmmmmm... 

Pinzinho comendo delicadamente o filé, como se fosse um príncipe.

Não resisti. Eu tinha que provocar. É maior que eu. 

- Sabia, Pin, que só tem um alimento que eu não como? É pupunha.

A reação foi rápida e inesperada. Aquele varão educado, enjoado pra comer, mas agradável pra conversar. Empenhado, sem necessidade, em impressionar o sogro. Fruto legítimo da refinada aristocracia do Reduto. Quase éduqué à Paris...

O cara perdeu a compostura, cuspindo no prato que comia pra dar espaço à gargalhada insana e desrespeitosa. 

Desrespeitosa com a comida, não comigo, ao cuspir uma bolota de filé mignon, arroz à piamontese e molho madeira.

- Tu não comes pupunha, sogrão?!!!

E ele gargalhou bem alto, feito uma gárgula enlouquecida, fugida de Notre Dame depois de ser possuída pelo pior dos demônios.

- Pupunha é uma delícia, porra!!! – completou.

Busquei os olhos da Camila, procurando solidariedade. Encontrei apenas a imagem do Pin refletida nas retinas dela, ambos rindo de mim. 

Não eram mais gárgulas, mas quimeras iluminadas por esperança. 

“Amor, estranho amor”, pensei.

Disfarcei a humilhação e mudei o rumo da prosa. Chamei o garçom, fazendo gracinha, pra resgatar o protagonismo:

- Comandante, capitão, tio, brother, camarada! Vocês têm maçã?

Os olhos do Pin se acenderam de entusiasmo. 

Pourra, pensei. Finalmente esse chato gostou de alguma coisa que eu pedi. 

O garçom respondeu:

- Temos sim, senhor!

E antes que minhas rugas desenhassem o melhor dos meus sorrisos, o Pirlimpimpin  perguntou:

- Mas é Gold, né?


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